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Wandinha é o maior sucesso da Netflix do ano, mas vale mesmo a pena?

Enoe Lopes Pontes

Colunista On: Enoe Lopes Pontes

Pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries
Wandinha é o maior sucesso da Netflix do ano, mas vale mesmo a pena?
Créditos da foto: divulgação/Netflix

Wandinha? Wednesday? Quartinha? Não importa como o público prefere chamar a nova produção da Netflix. Na verdade, o que interessa é que ela se tornou um grande hit. De acordo com dados da Netflix, a série bateu o recorde de Stranger Things, tornando-se o seriado de língua inglesa mais visto em uma semana. Todavia, a pergunta que fica no ar é se esta obra é boa de verdade ou se a sua popularidade vem de todo um burburinho ao seu redor. Bom, a primeira coisa que deve ser dita sobre Wandinha é que ela é divertida.

Apesar de algumas quedas rítmicas durante a temporada, todos os episódios apresentam subplots que instigam e cliffhangers poderosos que fazem o espectador querer a maratonar o mais rápido possível. Neste sentido, o ponto alto aqui é o 1x04 - Noite de desgosto. Além de trazer toda a sequência da dança de Wandinha - que foi coreografada pela atriz Jenna Ortega - há uma construção de tensão e clímax que funcionam.

Siouxsie and the Banshees inspirou dança de Wandinha

A combinação da direção de Tim Burton (Os Fantasmas se divertem) com o roteiro de Kayla Alpert (Emily in Paris) entrega momentos nos quais as pistas para desvendar os mistérios de Jericho são inseridos, mas também as emoções das personagens são investigadas. Há uma vulnerabilidade maior de Wandinha neste 1x04, porque é a partir daqui que ela se deixa as suas emoções conduzirem a sua investigação.

Neste sentido, o ápice qualitativo do trabalho de Burton acontece neste episódio justamente porque é quando o realizador está ainda mais consciente de como sua criação deve estar à serviço das ações e descobertas da protagonista. Tim imprime contenção nas cenas mais íntimas, por exemplo, e permeia a tela de efeito quando a narrativa pede.  Um exemplo é no momento do boicote a festa, quando é instalada a atmosfera de terror, com o uso intercalado de planos abertos e fechados, com pequenas pans. 

Este recurso faz com que a tensão se eleve, mas também entrega alguma comicidade para a sequência, além de deixar uma referência nítida ao clássico Carrie, a estranha. Por essas razões, tem-se aqui uma boa sequência e ainda um quê a mais para os amantes do gênero. Assim, até a metade da temporada, que é quando a produção é dirigida por Tim Burton, existe essa criação de um thriller/terror juvenil, bem na pegada Sessão da Tarde. Mas, isto, na verdade, é um elogio. 

Burton está consciente de suas marcas autorais, porém as usa com cautela e elegância, deixando que seu estilo crie este universo ficcional rico. Porque Wandinha tem este fator ao seu favor. Para além do talento de Burton, a mitologia que cerca a obra é costurada. Seja pela Escola Nunca Mais, pelos poderes dos estudantes e aulas que eles têm, ou até na construção da própria Família Adams, há criatividade nestas elaborações, mas um uso direto destas criações para o próprio enredo.

Um fato que ilustra isso é que Enid (Emma Myers) está atrasada na sua transformação em lobisomem, mas esta transição acontece no momento ideal para a trama. Além disso, há o desafio de representar os Adams, que possuem décadas de presença em exibições na TV e nos cinemas, mas que aqui eles têm uma personalidade própria, mesmo que com tantas referências aos Adams do passado. O ponto alto destes parentes incomuns está na garota que dá nome ao seriado. A Wandinha de Jenna Ortega é visceral e cheia de camadas.

Ainda que em alguns momentos Ortega exagere por deixar nítido na tela que ela está se esforçando demasiadamente para criar esta figura que tem expressões faciais neutras e amor pelo sombrio, ela também alcança um outro grau de interpretação com sua Wandinha. Para Cristina Ricci, por exemplo, os olhares perdidos e o tom sarcástico soavam com bastante organicidade. Ortega deixa a sensação de que é árduo para ela esconder as emoções de sua personagem. 

O que torna a amizade de Wandinha e Enid especial?

Todavia, isso funciona, porque é nesta luta entre frieza e sentimentos intensos que esta nova Wandinha tem mais complexidades e cria uma empatia forte com os espectadores. A partir desta composição de Jenna, que funciona na maior parte do tempo, outro ponto efetivo da temporada é a narração. Voz em off não é uma coisa que toda obra precisa e muitas vezes é mal feita, distanciando mais quem assiste do que o contrário. 

No entanto, tanto o texto como a voz de Ortega fazem com que exista um tom de cumplicidade instaurado. Os pensamentos de Wandinha não apenas direcionam a plateia para seguir a sua lógica dentro dos conflitos apresentados, mas também empolgam e aumentam o nível da suspensão. Dentro de todo este contexto, existem algumas falhas que diminuem a qualidade de Wandinha, como a troca da direção, que faz com que exista entre os episódios 5 e 8 distinções qualitativas, deixando alguns episódios um tanto mornos, principalmente o 1x07.

Ele não é exatamente um filler, mas são colocadas muitas reiterações aqui. Enquanto Burton trazia mobilidade e dinâmica para estes instantes de repetição no início do seriado, James Marshall (Supergirl) é mais protocolar, fazendo com que haja um pequeno desequilíbrio no ritmo. Ainda assim, o resultado geral da produção não fica tão comprometido. 

Na junção da atuação de Jenna Ortega, a estilística de Burton, atores coadjuvantes entregues e um roteiro equilibrado, Wandinha tem uma primeira temporada divertida. O objetivo mais importante de um seriado é alcançado aqui: a sede pelo próximo ano. Será que a Netflix vai renová-la? Talvez, esse não seja um mistério tão grande assim. 

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*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

Enoe Lopes Pontes

Foto de Enoe Lopes Pontes

Doutoranda e mestre em Comunicação, formada em Artes Cênicas e em Comunicação Social, Enoe Lopes Pontes é pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries. É membro da ABRACCINE e do Coletivo Elviras. Cinéfila desde os 6 anos, sempre procurou estar atenta para todo tipo de produção, independentemente do gênero, classificação ou fama. Do cult ao pipoca, busca observar as projeções com cuidado e sensibilidade. Filmes preferidos: Hiroshima Mon Amour e Possession.

Enoe integra a equipe do Coisas de Cinéfilo, como crítica.

Instagram: @enoelp

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