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Filmes e séries

Hype vazio ou episódios de qualidade: o que dizer da quarta temporada de Stranger Things?

Enoe Lopes Pontes

Colunista On: Enoe Lopes Pontes

Pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries
Hype vazio ou episódios de qualidade: o que dizer da quarta temporada de Stranger Things?

Entre maio e julho de 2022, a Netflix bateu diversos de seus recordes de público, através do lançamento da quarta temporada de Stranger Things (ST). Somente os dois episódios finais da série contaram com 301,28 milhões de horas assistidas. De acordo com o site da Forbes, o streaming encontrou, inclusive, dificuldades técnicas devido ao acesso intenso dentro da plataforma. Contudo, será que esta season foi boa de fato?

É difícil ter uma resposta totalitária aqui, visto que o seriado trouxe um desnível de qualidade. Mas, talvez, o fator que justifique melhor a quantidade de visualizações seja a própria estrutura que ela convoca em seu quarto ano. Divida em duas partes, há uma atmosfera de progressão construída de tal forma, que o melhor conteúdo vai ficando paulatinamente para o final. 

Todavia, existem questões que precisam ser pensadas em termos de narrativa e desenvolvimento de personagens. Há uma ausência de equilíbrio nas premissas de cada núcleo. E o ponto de partida para este debate é pensar como o elenco de ST é extenso! Por conta disso, a trama é divida em subplots, com enredos que, obviamente, irão se encontrar à medida que a história avançar. 

Apesar de esta estrutura ser comum – até mesmo dentro de ST –, as criações para certas personagens ganham mais camadas e manutenção de ritmo, enquanto outras soam como fillers¹ ou apresentam uma escrita truncada, que tomam muito tempo para se encaminhar, deixando os episódios entediantes, principalmente em sua primeira parte. Neste sentido, é possível destacar como, dentro destas divisões, houve o ponto alto, o baixo e o médio da temporada. 

O núcleo encabeçado por Eleven (Millie Bobby Brown) é o mais sofrido. Os conflitos iniciais da protagonista dentro de sua nova escola na Califórnia são repetitivos e, por este motivo, a fruição do espectador é afetada pelo cansaço. Somente a partir do quarto episódio que é possível começar a vislumbrar algo de relevante para o contexto geral da história. Já o grupo que permaneceu em Hawkins, que possui o conflito principal focado em Max (Sadie Sink) é o ápice do quarto ano. 

Isto se dá não apenas pelas próprias questões vividas pela garota – como o luto por Billy (Dacre Montgomery), o término do seu namoro com Lucas Sinclair (Caleb McLaughlin) e o fato de que ela é uma das vítimas de Vecna –, mas as premissas que ocorrem em Hawkins são como uma chave para prender a atenção do público. Isto se dá não apenas pelo fato de tudo ter começado nesta cidade, mas as novidades que são inseridas pelos Duffers.

São muitos fatores que podem ser elencados para o sucesso deste núcleo, como: o próprio conflito de Sinclair com seus supostos novos amigos populares, as investigações de Nancy, Robin e Steve ou as figuras carismáticas de Eddie (Joseph Quinn) e Chrissy (Grace Van Dien), que ganharam a simpatia dos espectadores, com muita shippagem e edits da música "Chrissy wake up", que se espalhou pelo Tiktok.

Neste cenário existem cotorno, complexidades e tramas que estão conectadas entre si e com o conflito geral e foi assim que ocorreu o grande sucesso de Eddie e Chrissy entre os consumidores, fazendo até com que os irmãos Duffers se arrependessem da morte dos dois dentro da série, como foi dito em entrevista para o TV Line.  Mas, além da química entre o ship, os arcos deles também mantém o enredo vivo, bem como fomentam o pavor e perigo causado pelo "novo” vilão Vecna.

Os dois contribuem para a suspensão e uma ambientação de horror, que apenas é um pouco diluída pela falta de tempo para que sejam exploradas, já que cada episódio precisa também mostrar o que está acontecendo com Eleven e os amigos que estão com ela (Mike, Will, Jonathan e Argyle). Mas, em todo este universo ainda há outra falha de condução de personagens e subplot nesta temporada.

O seriado também traz as peripécias vivenciadas por Joyce Byers (Winona Ryder) – a atriz, inclusive consegue dar continuidade ao papel com tonicidade e complexidade de tons da fala, apesar do roteiro não trazer nuance alguma para Joyce neste novo ano – e Murray Bauman (Brett Gelman), que tentam regastar Jim Hopper (David Harbour). O rapaz foi capturado pelos russos e busca escapar da prisão. 

Nesta suposta aventura, os encaminhamentos também demoram a engatar. Com ações repetidas e voltas para revelar para quem assiste o que está de fato acontecendo com Jim e como Joyce e Murray irão resgatá-lo, as constantes cenas de encarceramento entregam, outra vez, a sensação de filler. Este ponto é um problema, principalmente, porque as sequências de tortura e brigas na prisão acrescentam pouco para o conflito da temporada.

Para completar, os inimigos da Rússia são colocados pelos estadunidenses apenas como pessoas extremamente ruins, criando personagens totalmente planas, o que entrega com muita facilidade o que irá acontecer em cada cena. Este núcleo é o que mais sofre com a falta de criatividade e com soluções óbvias. Mas, os irmãos Duffers e sua equipe não possuem todo este sucesso à toa. 

O que ocorre aqui, e que acaba instigando a audiência a não parar, é justamente o mistério sobre Vecna, além da curiosidade sobre o destino de Max e como todas estas tramas separadas irão se conectar. No entanto, assim como outras produções originais da Netflix (La Casa de Papel, The Witcher, As Telefonistas, Squid Game, First Kill etc), a quarta temporada de Stranger Things é fraca em sua totalidade e se vale apenas de seus clímaces enganosos.

O que é aproveitado na obra são os instantes de ápice para incrementar os diálogos, os efeitos, a direção e é claro para inserir as músicas emblemáticas dos anos 1980 – Kate Bush e sua "Running up the Hill" já bateram quase 500 milhões de cliques somente no Spotify. Mais do que um seriado, ST é um modelo de negócios e é nisso que ela mais acerta, em seus truques. A próxima season é a sua última. Quem sabe o fôlego do primeiro ano não é recuperado? 

Filler¹ - Termo usado inicialmente pela comunidade de fãs de anime para denominar episódios ou arcos inteiros de uma série de anime cujo enredo não se baseia no mangá do qual a série foi adaptada.

*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

Enoe Lopes Pontes

Foto de Enoe Lopes Pontes

Doutoranda e mestre em Comunicação, formada em Artes Cênicas e em Comunicação Social, Enoe Lopes Pontes é pesquisadora, jornalista e crítica de cinema e séries. É membro da ABRACCINE e do Coletivo Elviras. Cinéfila desde os 6 anos, sempre procurou estar atenta para todo tipo de produção, independentemente do gênero, classificação ou fama. Do cult ao pipoca, busca observar as projeções com cuidado e sensibilidade. Filmes preferidos: Hiroshima Mon Amour e Possession.

Enoe integra a equipe do Coisas de Cinéfilo, como crítica.

Instagram: @enoelp

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