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LGBTQIA+

Bíblia e homossexualidade: uma reflexão sobre as interpretações

Onã Rudá

Colunista On: Onã Rudá

Ativista antirracista e LGBTQIAP+, é fundador da Torcida LGBTricolor, do Bahia
Bíblia e homossexualidade: uma reflexão sobre as interpretações
Foto: ilustrativa/Pexels

 

"O que você acha sobre a homossexualidade?" "Leva à condenação, como qualquer outro pecado, se não houver arrependimento". Foi o que respondeu o jogador Pepê, do Cuiabá, em uma enquete com perguntas sobre Jesus.

Volta e meia surge um evangélico dizendo que é ex-gay. Hoje, quem vai falar, é um gay que é ex-evangélico. Inclusive, é muito comum pessoas da comunidade LGBTQIA+ que tiveram experiências em igrejas cristãs. 

Depois, ainda na enquete, uma pessoa cristã fala: "sou cristão, mas acho injusto condenar os homossexuais. Deus ama a todos". Pepê, então, responde:

"Concordo que Deus é amor, mas a generalização disso, nessa geração, tem levado muitos ao caminho errado. Aí ele faz uma citação bíblica e conclui dizendo que amar é falar a verdade, que ele não julgou, que ele não condenou, que ele apenas expôs o conhecimento que o Senhor deu a ele pela sua palavra, que é a Bíblia, um "manual de fé".

Presta atenção, agora, nisso, que é muito importante. Ele deixa duas citações bíblicas:

1 Coríntios 6:9-11
"Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos"

Levítico 18:22
"Não te deitarás com varão como se mulher fosse. É abominação"

[Pepê] Conclui dizendo que é pecado. Enfim... Esse post do jogador gerou uma repercussão muito grande nas redes, e eu quero refletir um pouco sobre isso. Será que é desse jeito aí, como citou o jogador?

É importante refletir sobre isso, porque esse tipo de discurso tem muitas consequências e gera muito sofrimento às pessoas LGBTIA+. Além disso, para muitas pessoas, isso justifica a violência e a perseguição contra essa comunidade. O pensamento apresentado por Pepê, nesse post, é dos fundamentalistas religiosos, que dizem que querem aplicar a Bíblia ao pé da letra. Só que isso não é verdade, e Jesus nunca falou nada sobre esse tema. Mesmo tendo pessoas, naquele tempo, que hoje poderíamos chamar de LGBTQIA+ (diversas, inclusive!), Jesus nunca falou nada sobre esse assunto, e o que é pecado e qual o maior pecado são definidos pelo interesse do momento, para exercer algum tipo de controle social. Um jogo de interesses.

É por isso que esse mesmo livro, de Levítico, que o jogador cita, também diz que tocar o cadáver de um porco torna uma pessoa impura; que comer mariscos é abominação; que mulher menstruada não deveria ter contato com ninguém; que não pode plantar vários tipos de sementes no mesmo campo (ou seja, não pode ter uma horta), nem usar roupas feitas de dois tipos diferentes de material, e que não pode cortar o cabelo... Mas todos os cristãos fazem tudo isso e ninguém está preocupado de ir para o inferno por causa disso. 

Outra questão, pelo próprio avanço civilizatório, é que algumas coisas passaram a ficar impraticáveis. Ou algum cristão vai dizer que não pode se aproximar do altar de Deus se a pessoa tiver alguma deficiência? Ou que pode ter escravos e escravas, se forem comprados de países vizinhos? Assim como está lá em Levítico.

Mas a principal questão são as mudanças feitas nas interpretações e traduções da Bíblia. De forma intencional! Tirando o texto do contexto em que ele foi escrito. É por isso que você encontra várias versões de textos e eles parecem caminhar na mesma direção, mas podem dizer coisas diferentes. 

No original, essa citação de Levítico está sendo direcionada à prática de idolatria, já que na época existiam muitos outros deuses e as práticas sexuais estavam associadas ao culto desses deuses. Não tem nada a ver com afetividade entre duas pessoas da mesma identidade de gênero, livres e adultas.

Já em 1 Cortíntios, a gente vê como a tradução é manipulada no intuito de influenciar a mente das pessoas. Quando Paulo escreveu essa carta dos Coríntios, não existia o termo homossexuais, imagine "passivos" e "ativos" com o significado que a gente conhece hoje! Percebe como há uma distorção, um desvio mal intencionado? Nessa passagem, aparece no original duas palavras: "malakoi" e "arsenokoitai", que não existem conclusão sobre seus significados. E é por isso que em cada tradução, dicionários diferentes, você vai encontrar significados diferentes.

"Malakoi" aparece quatro vezes em todo o Novo Testamento. Nas outras três, significa "fino" ou "macio". Só nessa atribuíram à homossexualidade.

"Arsenokoitai" é ainda pior: a palavra aparece só duas vezes e é um neologismo feito por Paulo. Então, fica mais difícil entender exatamente o que ele quis dizer no texto. 

Esse tema é bem complexo. Tem outras passagens na Bíblia que são associadas à comunidade LGBTQIA+, mas que na realidade estão dentro de outros contextos da época. Então, indico esse estudo bem didático da Igreja da Comunidade Metropolitana do Rio de Janeiro (ICMRIO), que é muito bom.

E o posicionamento de Pepê não é o posicionamento de todos os cristãos. Existem muitas igrejas históricas e movimentos de teologia inclusiva no Brasil e diversos outros países. Igrejas lideradas por pastoras, reverendos, bispas, padres LGBTQIA+...

Então, era isso que queria trazer aqui pra vocês, pra gente refletir um pouquinho sobre essa temática da Bíblia e da comunidade LGBTQIA+.

*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

Onã Rudá

Foto de Onã Rudá

Onã Rudá é nordestino, filho de Odé, ativista antirracista e LGBTQIAP+. Ele também é midiativista e fundador da Torcida LGBTricolor, do Bahia.

Instagram: @onaruda2

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