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Cidadania

Fraudes eleitorais ocorrem muito antes das urnas eletrônicas

Priscila Chammas

Colunista On: Priscila Chammas

Jornalista, mãe, empreendedora e ativista pela liberdade
Fraudes eleitorais ocorrem muito antes das urnas eletrônicas
Foto: ilustrativa | Marcelo Camargo/Agência Brasil

 

Recém-rejeitada pelo Congresso, a pauta do voto impresso ainda anda inflamada nas redes sociais e rodas de amigos. Mas você, caro amigo, que debate com tanto conhecimento de causa sobre as urnas, sabe como funciona uma eleição por dentro? Senta aí que eu vou te contar. Existe um tipo de fraude eleitoral muito mais latente e explícita, que ocorre a olhos nus, em absolutamente todas as eleições no Brasil, há muito tempo. Uma fraude que precede as urnas eletrônicas, que todas as autoridades sabem que acontece, e que os fraudadores nem fazem mais questão de disfarçar: a compra de votos. 

Quem já participou de um ou mais processos eleitorais sabe que não é nenhum exagero dizer que é ela que decide as eleições, e que a maioria dos políticos que hoje estão no poder foi eleita desta forma. E tem gente de todas as ideologias e bandeiras fazendo isso. Funciona basicamente de três maneiras: 

Na primeira, o político ou o assessor do político entra em contato com o líder comunitário de determinada região e oferece a ele uma quantia em dinheiro pelos votos daquela comunidade. Cabe a ele usar sua influência entre aquelas pessoas para fazê-las votar no candidato certo. Se ele vender gato por lebre? Até pode enganar um trouxa na primeira eleição, mas o “mercado” da compra de votos sabe quem são os contatos mais quentes de cada bairro. 

Na segunda, existe uma relação mais direta de troca de favores. É comum que pessoas troquem o seu voto por uma cesta básica, um emprego, uma caixa d'água, um saco de cimento, um botijão de gás, vaga na regulação… depende de qual seja a sua necessidade mais urgente naquele momento, e do quão inflacionado esteja o preço do voto naquela região. 

Na terceira modalidade, o político promove uma espécie de mutirão de atendimento médico, odontológico, ou de algum exame específico… para ser atendida, a pessoa precisa deixar nome, cpf, telefone, endereço, e… TÍTULO DE ELEITOR! Um recepcionista anota o número do título, zona e sessão eleitoral do paciente e, quando a eleição chega perto, alguém da equipe entra em contato para cobrar o preço do atendimento: o voto. Essa modalidade tem uma variante ainda mais ousada, que é aplicada durante o período de campanha, quando a pessoa atendida já sai com um santinho do candidato na mão. Se a pessoa não votar, acontece o quê? "Nada, não tem como garantir quem votou ou não, mas as pessoas acham que você vai conferir, e ficam com medo de alguma represália", me explicou uma vez um macaco velho da política.

Na minha primeira eleição, inocente que era, fiz uma reunião com meia dúzia de líderes comunitários para apresentar minhas propostas de campanha. Todos sentados na praça de alimentação de um shopping, pareciam até interessados em tudo o que eu falava. Findada a reunião, percebi que quase todos estavam apenas esperando eu acabar de falar pra ir ao ponto que interessava: o que eu vou ganhar em troca? Uma queria emprego pro marido, o outro queria ajuda pra reformar a casa. Outro, mais direto, já perguntou por valores. Um - mais altruísta - pediu alguma melhoria no bairro, que já não me lembro mais qual era. E assim por diante. Apenas um realmente me ouviu e entendeu que eu não estava ali pra isso. Esse é uma pessoa incrível, que tem um belo projeto social, e com quem ainda falo de vez em quando. Mas isso é assunto para outro texto. 

À medida que a campanha avançava, comecei a ser assediada por uma gama de outras pessoas com a mesma promessa: consigo x votos lá no meu bairro. Alguns já me abordavam com uma listinha de nomes e sessões eleitorais de seus supostos comandados. Lá um dia, concordei em contratar algumas pessoas do bairro de uma determinada líder comunitária, para fazer uma caminhada de campanha e apresentar minhas propostas. Mais uma decepção. A cada panfleto entregue, um pedido. Dentadura, uma mesa com cadeiras pro bar, cesta básica, gás, bloco de construção, emprego na campanha e… vaga na BOCA DE URNA! Esse era o pedido campeão! “Como assim? Eu não vou fazer isso!” 

E me encaravam com um misto de pena e incredulidade, às vezes acompanhado de algum comentário mais direto: “Não tem como ganhar, se não fizer”. E eles tinham uma certa razão em ficarem surpresos. Esse é o normal. 

Em minha última campanha, coloquei uma equipe para fiscalizar a boca de urna de outros candidatos e denunciar pelo Pardal, aplicativo disponibilizado para denúncias pelo TSE. Sabe o que aconteceu com os fora da lei? Nada! Uma senhora chegou na sessão para votar, anunciando aos quatro ventos que já tinha feito boca de urna para três candidatos, e que "agora iria tomar uma cervejinha, porque ela merecia". Arrancou apenas umas risadas dos mesários e fiscais. Em outra sessão, meu marido chegou a abordar um policial, pedindo que tomasse uma providência. E ele respondeu que isso era muito generalizado e não poderia fazer nada. Possessa, pedi vídeos das bocas de urna e comecei a divulgar em meu Instagram. Em menos de 10 minutos, recebi a ligação de três advogados: “Tira! Pode dar problema pra você”. Isso mesmo. Problema pra mim. É proibido, mas só os trouxas que têm mania de honestidade cumprem a lei. É assim que funcionam as eleições em nosso país. E eu ainda nem cheguei na pior parte. 

Um dia, no meio da campanha, conversando com um funcionário de meu marido, pedi que ele me levasse ao bairro dele, pra me apresentar aos vizinhos e me ajudar na divulgação das propostas. A resposta dele, muito solícito, foi que poderia me levar em um outro bairro, onde tinha familiares, mas no dele, infelizmente não poderia. “É que lá é área de fulano, e se outro candidato entrar, pode ser perigoso… é… ‘eles’ apagam”. Se apagam mesmo ou ficam só na ameaça, decidi não ser a pessoa a averiguar. Só para sua informação, querido leitor, o fulano foi eleito, e hoje é deputado federal pela Bahia. Esse é o nível de nossos políticos. 

O normal é comprar voto, fazer boca de urna, trocar favores e até ameaçar eleitores e concorrentes. É assim que aqueles políticos que ninguém gosta chegam ao poder. É por isso que a maioria não está nem aí para a opinião pública. Se queremos eleições justas e limpas, estas são as primeiras fraudes que precisamos combater.

*Este material não reflete, necessariamente, a opinião do Aratu On.

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Priscila Chammas

Foto de Priscila Chammas

Priscila Chammas é jornalista, mãe, empreendedora e ativista pela liberdade. Já trabalhou na grande mídia, foi candidata nas eleições e, atualmente, integra o movimento de famílias em prol da priorização da educação em Salvador.

Instagram: @priscilachammas

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