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Artigo: Capacidade - Por que precisamos falar sobre isso?

Em texto de Cristina Teixeira, que é médica pós-graduada em psicologia analítica, somos convidados a refletir e pensar sobre o reconhecimento de nossas próprias fraquezas e "discapacidades", como forma de aceitação e a consequente libertação do nosso próprio eu.

Por Cristiane Teixeira

Artigo: Capacidade - Por que precisamos falar sobre isso?
Créditos da foto: Ilustrativa/Pexels

Porque talvez isso te toque, de alguma forma. Deixa eu ver se consigo chegar aonde quero chegar, sobre esse negócio que a gente chama de “capacidade”. Sobre os “dis”, os “as e os “ins”. Algumas questões trazem para a gente uma “dificuldade” inerente, inata, ou seja, algo de neurobiológico, neuropsíquico, a cada dia sendo mais elucidado pela ciência. Uma disfunção (mas não afunção) que pode ser atribuída à neurodiversidade, haja vista que, de perto ninguém é “normal” (e o que é normalidade?). E também, não duvido, deve haver muita disfunção que cause até mais prejuízo e sofrimento para o sujeito, mas que ainda não tem nome, nem código. Não tem “caminho da roça”.

Uma disfunção que, repito, mesmo atribuída à neurodiversidade, causa um sofrimento perene e que remonta a dificuldades na infância, que afetaram, de forma construtiva ou não, toda uma trajetória, moldando a nossa personalidade. Dificuldades que trazem à tona sentimentos antigos e recorrentes de inadequação frente aos pares, de dificuldade de adaptação social, muitas vezes considerável, gerando muito sentimento de culpa e sendo muita vezes confundida com problema de caráter. Pode chegar até mesmo a se tornar um problema religioso infantil, algo do tipo: “Deus não deve gostar muito de mim”.

Eu sempre achei que, se a gente morasse na Índia, por exemplo, ou na Suíça, estaríamos mais bem adaptados, por um motivo ou por outro. Ledo engano. Aonde quer que estejamos, a nossa discapacidade nos acompanha. Eu tive que ir agora ao dicionário e olhar se existe mesmo este termo, “discapacidade”, pois não acho que caibam as expressões “incapacidade” , nem “dificuldade”. Me pagava falando o termo em inglês ou em espanhol, porque nunca havia ouvido em português. Mas ele existe, e até tentam, no dicionário, igualá-lo ao termo “incapacidade”.  Mas ele significa “qualquer restrição ou ausência (resultante de uma deficiência) da capacidade de realizar uma atividade na forma e dentro da faixa considerada normal para um ser humano”. Já a incapacidade é a nulidade, a ausência. Não nos traz esperança. Também não pode ser só “dificuldade”, porque existe algo de neurofuncional envolvido, orgânico, algo maior, que não conseguimos transpor completamente, algo que escapa, que vai “além” de nós.

No entanto, acho que é mais ou menos como eu falei com uma amiga outro dia, sobre as nossas feridas. À medida em que as reconhecemos, não as colocamos mais para debaixo do tapete. E, na medida em que as compreendemos em nós, passamos também a reconhecer e a compreender as feridas dos outros (parece até que temos uma “cola”, farejamos a ferida alheia). E é justamente neste ponto que temos a oportunidade de desenvolver a empatia. Como não escondemos mais as nossas limitações, que nos geram inúmeras vezes dificuldades,  sofrimento e sentimento de não pertencimento, passamos a ser mais agregadores (como Pop, dos Trolls – “ninguém fica para trás!”).

Nós temos a oportunidade de desenvolver a humildade necessária para correr atrás, voltar e refazer o mesmo percurso centenas de vezes. Ficamos mais resilientes (menos melindrosos), mais criativos, mais perseverantes, multihabilidosos e objetivos. Como podemos ter dificuldade de terminar o que começamos, às vezes terminar um ciclo pode até virar uma questão de honra, para “não dar o braço a torcer”. Desde sempre, é como se faltassem “poucas jabuticabas em nossa cesta” (parafraseando Ricardo Gondim) e nunca tivéssemos tipo tempo nem paciência para quem não está conectado à sua própria verdade. Por conta disso, por nos esforçarmos além da média, por sermos rebeldes e insubordináveis, frequentemente nos destacamos além da média. Temos a oportunidade de sairmos da mediocridade. Somos, todos, designados a não sermos “invisíveis”, como aliás, desde pequena, lembro bem, eu queria ser. Temos a oportunidade de trabalhar a nossa arrogância, de novo e de novo, a fim de evitar que machuquemos as outras pessoas. Machucamos, muitas das vezes, porque “somos mal interpretados pelo nosso interlocutor” – assim me disseram uma vez.

Lembrei-me da rainha Elisabeth, nos episódios de “The Crown”, quando ela demonstra seu sofrimento, por não conseguir expressar muito bem os sentimentos, e que seus assessores ficavam dizendo que “convém” que ela derrame algumas lágrimas em determinados momentos. Em outro episódio, com o príncipe Philip, ela desabafa que está com o maxilar doendo, de tanto sorrir e acenar, nas diversas aparições seguidas a que teve que se submeter. Seu marido não a compreende, e pergunta o porquê de ela sentir-se “obrigada” a sorrir sempre. Afinal, ela é a rainha!!! Ela responde: “é porque eu sou o tipo de pessoa que, quando está séria, as pessoas acham que estou mal humorada ou zangada. Talvez aí esteja a explicação para o sorriso estereotipado ou para as brincadeiras e piadinhas fora de contexto.

Acredito que a Vida é “avessa” ao assistencialismo. Isso tudo é bem paradoxal, e talvez essa seja a ideia da Vida (ou do Universo, ou do Cosmos, ou de Deus) sobre a gente, pois ela não parece ser nem diplomática e nem democrática. Acho que ela só quer que a gente aprenda a lição suprema, que é aprender a amar.  Por que tudo recai sobre isso, no final. Estamos fadados a prosperar, a não nos acomodar. Descobrimos, muitas vezes “a duras penas”, que somente o reconhecimento da nossa ferida é capaz de nos fazer desenvolver a empatia necessária para enfrentar o mundo, engrenando em uma corrente coletiva, que mude o rumo doentio da nossa sociedade. Reconhecemos que o nosso tesouro está justamente na nossa ferida, porque somente ela é capaz de curar.

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