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Leilão de área contígua a manguezal promovido pela Prefeitura de Salvador escancara problema antigo: cidade pode ficar mais quente e ter "colapso"

Para tratar sobre o tema, o Aratu On apurou que, nesta quarta-feira (25/1), houve uma reunião entre membros da sociedade civil e do Ministério Público da Bahia (MP-BA) para discutir a questão.

Por Matheus Caldas

Leilão de área contígua a manguezal promovido pela Prefeitura de Salvador escancara problema antigo: cidade pode ficar mais quente e ter "colapso"
Créditos da foto: Amanda Tropicana

O leilão de 22 áreas públicas em Salvador, autorizado pela Prefeitura, segue causando discussões na cidade. E, nesta quinta-feira (27/1), está marcado para acontecer o mais polêmico de todos: o de uma área contígua de um manguezal do Rio Passa Vaca, no bairro de Jaguaribe, pelo valor de R$ 1,8 milhão. A venda foi alvo de protestos da vereadora Maria Marighella (PT), presidente da Frente Parlamentar Mista Ambientalista da Câmara, e corroborada por especialistas, que alertam para os riscos de uma eventual destruição da área, que é o último mangue ainda preservado na capital.

Para tratar sobre o tema, o Aratu On apurou que, nesta quarta-feira (25/1), houve uma reunião entre membros da sociedade civil e do Ministério Público da Bahia (MP-BA) para discutir a questão. Não houve, ainda, um entendimento de eventuais ações contra a desafetação. Portanto, a venda da área segue mantida.

A bióloga Tatiana Bichara, mestre em Ecologia e Biomonitoramento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que há divergências se o local é um mangue ou uma restinga, mas indica que, caso o eventual comprador da área não respeite a proteção ambiental da localidade, esta região da cidade pode ter prejuízos.

“É uma área muito estratégica. Isso é para a cidade inteira, porque esse manguezal é importante para a cidade pela questão da ciclagem dos nutrientes, pela fixação do carbono. Já tem sido comprovado como o clima de Salvador está totalmente alterado. Isso já é reflexo das mudanças climáticas que são consequentes de diversos fatores, dentre eles a diminuição da cobertura ambiental da cidade”, analisou, em entrevista ao Aratu On.

Passa Vaca tem o último manguezal de Salvador | Foto: Amanda Tropicana

Uma vez que ainda não tem comprador, não é possível dizer qual será o futuro da área, mas, de acordo com a professora do mestrado de Ecologia Aplicada em Gestão Ambiental da UFBA, Margareth Maia, uma eventual supressão da mata nativa na região pode acarretar no aumento da temperatura e da sensação térmica, o que, além de prejudicar animais que vivem no mangue, pode afetar moradores de bairros como Piatã, Patamares e Jaguaribe.

“Um efeito direto da perda de vegetação, seja de manguezal ou árvores nas ruas, é um fenômeno conhecido como ilhas de calor. São áreas nos centros urbanos que vão ficando cada vez mais quentes”, explica.

“Enquanto bairros como Patamares, Pituaçu e Jaguaribe, que são locais no entorno das áreas que restaram e onde estão o Vale Encantado, os habitantes que estão no verão, no mesmo dia e horário, sentindo sensação térmica de 30°C, nesses bairros que não possuem cobertura vegetal, vão ter a sensação térmica de 40°C. Isso é muito sério. De cara, a gente muda o microclima dos bairros e da cidade. E, a longo prazo, além das ilhas de calor, há o aumento de alagamentos na cidade, porque há a perda de infiltração para a água da chuva. Não há para onde elas escoarem”, analisa, citando um dos principais problemas estruturais enfrentados por Salvador: os alagamentos em períodos chuvosos.

A opinião é corroborada por Tatiana Bichara, que também fala sobre a valorização da região. “As pessoas não querem morar em lugar que não possui áreas verdes. Isso traz bem estar climático, psicológico, qualidade de vida e do ar. Essa ideia de uma cidade resiliente na prática não acontece porque as obras desenvolvidas não levam em consideração a implantação de uma infraestrutura verde. Estamos andando na contramão de metrópoles e de qualquer lugar desenvolvido neste sentido”, opinou.

Segundo a dissertação “Cobertura vegetal e a temperatura de superfície no meio intraurbano: um estudo em Salvador”, da pesquisadora Rossana Alcântara Santos, também da UFBA, publicada em 2018, 103 dos 161 bairros da cidade não atingiram o parâmetro mínimo do índice de cobertura vegetal (PCV). 

“Consequentemente, constata-se que a vegetação intraurbana (PCV) se encontra desigualmente distribuída entre os 163 bairros (incluindo ois institucionais) na Cidade de Salvador, resultante de um processo de urbanização intenso e carente de uma política pública capaz de promover a adequação do crescimento da Cidade às exigências da preservação de seu patrimônio ambiental e da promoção da qualidade de vida urbana”, constata a pesquisadora. 

Diante deste contexto, ela valida as teorias de Tatiana e Margareth: a diferença de temperatura em Salvador, motivadas pela falta de cobertura vegetal, chegam a ser de até 10°C no mesmo dia e horário – locais com cobertura precária de vegetação apresentaram, em 2016, durante os estudos, temperaturas que variaram entre 29°C e 39°C.

“Decorrente desse processo, na escala micro climática do município, verifica-se a formação de Ilhas de Calor (IC) em pontos específicos espalhados na malha urbana” explica a autora. “Baseados em coleta de dados de campo na malha urbana, foi sinalizado que a presença da cobertura vegetal favorece na atenuação da temperatura do ar”, emenda, citando estudos anteriores que embasam a tese.

LANTERNINHA NA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

No ano passado, o prefeito Bruno Reis (DEM) foi à COP26, realizada em Glasgow, na Escócia, e admitiu que as alterações climáticas preocupam Salvador, e apresentou uma série de ações e promessas para contribuir com a reversão do quadro no planeta. Contudo, os dados mostram que a capital é uma das últimas no quesito preservação da vegetação nativa.

Bruno Reis na COP26 | Foto: Divulgação

De acordo com dados apresentados em 2019 pelo Atlas da Mata Atlântica, iniciativa da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Salvador ocupa a antepenúltima colocação em cobertura de mata atlântica entre as 16 capitais que ainda têm o bioma – só supera Belo Horizonte e Curitiba.

Com 3.429,76 hectares de remanescentes da vegetação, apenas 4,95% do território da cidade ainda preserva este tipo de floresta – duas delas na região do Passa Vaca: Vale Encantado e Parque de Pituaçu.

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Para Margareth Maia, há indicativos de que a cidade pode enfrentar um colapso nos próximos anos. “Tem um aplicativo da Nasa que aponta que, daqui a 30 anos, várias áreas de Salvador estarão cobertas por água em função do aumento do nível do mar. Salvador teria que estar se planejando. Recife fez isso há muitos anos e elaborou um plano efetivo de como se adaptar a esse novo quadro”, alerta.

O aplicativo em questão está contido em um endereço eletrônico da Nasa, a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, que é baseado em dados apresentados no sexto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, divulgado no ano passado. 

O relatório aponta que, em oito anos, o nível do mar deve aumentar 10 cm na costa brasileira – incluindo Salvador. A mudança é prevista nos sete cenários delineados pela Nasa, inclusive no mais radical.

No ano passado, a capital baiana foi tratada num estudo como uma das cidades no planeta que seriam mais afetadas com o aumento da temperatura média mundial. A simulação feita pelo Climate Central (CC), uma organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos, em parceria com a Universidade Princeton, também nos EUA, e o Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto do Clima, na Alemanha, apontou que a região da Cidade Baixa ficará completamente debaixo d’água.

Para Tatiana Bichara, a cidade carece de mais planejamento. “Salvador é uma península. Com essas mudanças, a própria questão das marés, dessa dinâmica costeira e marinha é crucial para a manutenção da cidade. Para isso ser assegurado e estabilizado, a infraestrutura verde e vegetação são aspectos que seguram a história. Não é asfalto que segura. Muito pelo contrário. Asfalto impermeabiliza e dificulta. E a vegetação que faz com que a água penetre no subsolo e desague num lugar adequado”, analisa.

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E OS PLANOS DA CIDADE?

De acordo com Margareth Maia, uma ação que pode mitigar os prejuízos da ação humana na cidade seria o Plano Municipal da Mata Atlântica. O texto, que deveria ser enviado à Câmara de Vereadores, foi confeccionado por técnicos do município e da sociedade civil. No entanto, segundo ela, pressões do setor imobiliário fazem com que o projeto esteja “engavetado”. 

“O plano ficou interessante, com alguns pequenos problemas, mas nada muito grave. O plano apontava muito claramente a necessidade de Salvador investir no fortalecimento de medidas mais protetivas do que resta da mata atlântica. E esse plano, por estar razoavelmente bom, foi engavetado. Ele nem chegou a ser apresentado ao Conselho Municipal do Meio Ambiente por pressões do setor imobiliário”, criticou.

“Para a gente, claramente é o setor imobiliário que manda na política ambiental de Salvador. Poucas capitais no Brasil conseguiram ter o que Salvador tem, graças ao MP-BA, que é o mapeamento de todos os remanescentes de mata atlântica. Foi um passo fundamental para concluir o plano”, acrescentou.

“Salvador precisa assumir que é uma cidade extremamente vulnerável. Inclusive, o painel brasileiro da mudança do clima considera Salvador uma das cidades mais vulneráveis as mudanças climáticas. E estamos na contramão. Isso tem um efeito cascata”, concluiu.

Na visão de Tatiana Bichara, é preciso haver conscientização a fim de evitar um colapso climático no espaço urbano de Salvador. “Essa visão limitada de urbanização desenfreada é de curto prazo, porque, até para empreendedores, isso não é vantajoso, porque a qualidade de vida da cidade está decaindo muito. Não à toa Alphaville e Greenvile são valorizadas, porque tem vegetação ao redor. A verticalização e a divisão dos terrenos é uma visão de contramão porque interfere na circulação do ar, do vento. Olha como a cidade está quente e com um clima descontrolado. Isso tudo pela ausência de vegetação”, encerrou.

Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência (Secis) afirmou que, por conta de incompatibilidade na agenda, a secretária Edna Ferreira não poderia atender à reportagem para repercutir sobre o assunto. 

TRAMITAÇÃO POLÊMICA

Enquanto as especialistas fazem ponderações a respeito do que consideram ter “impacto simbólico” no leilão da região do manguezal, a situação foi objeto de polêmicas desde o início da tramitação na Câmara Municipal.

O chamado “PL das Desafetações” foi alvo de debates na Casa e foi aprovado com voto contrário da oposição. O grupo argumentou, à época, que houve pouca discussão do tema com a sociedade civil, e contestou a aprovação da matéria porque 18 dos 22 terrenos leiloados têm “funções fundamentais para a cidade”.

Na última terça-feira, o Diário Oficial do Município publicou a suspensão do leilão de outra área de mata verde em Itapuã, que também é objeto de contestação por ambientalistas e pela vereadora Marighella. 

A gestão ambiental feita por Bruno Reis e o seu antecessor, ACM Neto (DEM), vêm sendo questionadas por entidades ambientais. Para este ano, inclusive, o segmento é o único que tem menos investimentos no orçamento municipal. Para 2022, serão disponibilizados R$ 28, 9 milhões, enquanto, em 2021, foram disponibilizados R$ 36, 6 milhões. Todos os outros setores tem previsão de incremento financeiro.

No ano passado, as discussões a respeito de mudanças em dispositivos de proteção ambiental ganharam destaque no noticiário da Câmara Municipal. Um dos textos contestados foi aprovado em apenas cinco segundos pelos vereadores, o que foi criticado por Marighella e por Laina Crisóstomo (PSOL), da bancada de oposição, que argumentaram nem ter sido consultadas. A matéria culminou com a sanção da lei que proporciona alterações em poligonais e em áreas de proteção ambiental na cidade, e foi alvo de 50 entidades de proteção ambiental, que recorreram ao Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) para apurar a tramitação do projeto.  

No dia 15 de dezembro, a promotora Hortênsia Pinho requereu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da lei, por entender que o processo de tramitação foi equivocado e sem transparência. 

Outra lei polêmica é a do Plano Integrado de Concessões e Parcerias do Salvador (Pics). Embora o próprio nome sugira que o texto verse sobre a relação entre município e iniciativa privada, um jabuti incluído no projeto possibilitou a retirada da proteção ambiental de uma área na Avenida Orlando Gomes.

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